sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A pena branca da liberdade



Encenada pela primeira vez em 27 de dezembro de 1897, a peça Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, pode ser vista até o dia 21 de agosto no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília. A história é bem simples. Três homens, Cyrano, Christian e o conde De Guiche são interessados pela mesma mulher, Roxane. O conde é um endinheirado que quer desfilar com a bela na corte. Christian é o típico bonitão e bobalhão. E Cyrano é o primo extremamente narigudo, que a ama profundamente, mas cujas qualidades o tornam um homem único e admirável. Bem, afinal, a sua escolha quanto a "ser admirável em todas as coisas" me pareceu muito bem alcançada.
Apesar de a peça ter como enredo uma típica história de amor, em que se estabelece um triângulo amoroso (já que o conde não é tão significante assim), é possível identificar a forte crítica social que o autor busca fazer à burguesia, ao materialismo, ao cinismo de mais de um século atrás, mas que se mostra tão atual que parece ter sido escrita para a nossa sociedade do agora.
O conde de Guiche retrata bem os homens ricos da sociedade, que buscam ter ao lado uma mulher estonteantemente linda e suficientemente burra para não muito incomodar, mas para fazer bonito em frente aos demais. Aqueles cuja maior preocupação é estar com as roupas da moda, o carro mais moderno e potente, causando inveja aos outros. Outros esses que são seus iguais em caráter e postura.
Christian, por outro lado, é o homem objeto. Aquele que é um colírio para os olhos, mas que não deveria sair das revistas, por ser tão oco internamente. Não tem índole má. É um bom menino, mas vazio, manipulável, limitado, sem alma.
Roxane personaliza a mulher bela e desejada. Mas diferente do que costuma acontecer em histórias de amor, extremamente inteligente e apaixonada pelo intelecto. Uma mulher que busca alguém para preenchê-la com saber, conhecimento, brilhantismo.
Cyrano, como não podia deixar de ser, é o grande herói. Mas não aparentemente. Além do seu imenso nariz, não apresenta um comportamento muito admirável para a sociedade, exatamente por não se deixar prender pelos valores da sociedade burguesa. Seus valores são maiores: honra, dignidade, coragem, amizade, senso de justiça, altruísmo. Ainda que para exercê-los seja obrigado a se submeter a uma situação de penúria e miséria. Apesar de tudo, Cyrano escolhia sempre a liberdade e não as amarras sociais. Cyrano é aquele a quem se devia ensinar aos filhos a buscar como modelo. É aquele que merece todas as Roxanes. Mas não num mundo corrompido pelo superficialismo, em que as pessoas vivem apenas de aparências, de mentiras, de fofocas.
Rostand também utilizou dos outros personagens para tratar sobre outros valores como amizade (Le Bret e Ragueneau), coragem, companheirismo (cadetes gascões)...
Mas não só o brilhantismo de Rostand faz da peça Cyrano de Bergerac um programa imperdível. Bruce Gomlevsky está simplesmente fantástico no papel. Faltam palavras para descrever tão admirável atuação. Não fosse apenas o enorme texto, em forma de poesia, a ser decorado e declamado, mas o ator consegue passar ao público os próprios sentimentos que o personagem está a sentir. O restante do elenco também é digno de aplausos. E a montagem é muito bem feita. Há de se reconhecer o sucesso em montar peça que demandaria tantos profissionais com reduzido elenco que muito bem se revezou em vários papéis, além de cuidar da mudança de cenários, que eram construídos com total harmonia na frente do telespectador. João Fonseca está de parabéns.
By PVC.

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